Por que sempre ir aos mesmos lugares ou optar por aqueles programas a dois pra lá de habituais? Investir doses de novidade e aventura nesses encontros não só mantém o fogo do amor ardendo como faz um bem danado ao cérebro. Palavra de cientista
por FÁBIO DE OLIVEIRA
ilustrações MELISSA
Amar é... fugir da rotina — sobretudo naquelas horas reservadas para curtir a cara-metade com exclusividade. O conselho não está em nenhum manual de autoajuda destinado a aquecer um relacionamento que, embora sólido, se tornou refém de uma monotonia siberiana, especialmente quando os amantes têm um tempo só, e somente só, para eles. Esse recado vem dos resultados de uma série de pesquisas conduzidas na Universidade do Estado de Nova York em Stony Brook, nos Estados Unidos. É que desfrutar de algo inabitual e prazeroso, como viajar para um destino fora do roteiro- padrão de férias ou provar os pratos de um chef promissor, ativa no cérebro uma área que os especialistas resolveram chamar de sistema de recompensa.
A novidade faz a massa cinzenta liberar dopamina, endorfina e norepinefrina, substâncias intimamente envolvidas no nosso estado de humor — estado de bom humor, é claro. Não por acaso, são elas também que deságuam na corrente sanguínea quando a gente, logo após engatar uma relação, passa por aquela fase de paixão total: basta a razão do nosso afeto tomar de assalto os pensamentos para sentirmos uma embriaguez de bem-estar.
Os cientistas americanos chegaram à conclusão de que pitadas de novidade são capazes de azeitar os programas a dois e, de quebra, manter acesa a chama amorosa, graças a experimentos como aquele, por exemplo, em que avaliaram o relacionamento de 53 casais de meia-idade. Em um primeiro momento, os parceiros tiveram de responder a um questionário destinado a mensurar a qualidade do seu envolvimento. Depois, todo esse pessoal foi dividido em três grupos. A um deles coube realizar atividades que consideravam prazerosas, como jantar fora. A segunda turma, por outro lado, foi incentivada a ousar, dedicando 90 minutos semanais a algo que agradasse ao par. Mas esse algo tinha de ser completamente inédito para ambos — valia desde ir à estreia de uma peça a assistir a um concerto. Os demais participantes não tiveram de fazer nada em especial. Depois de dez semanas, todo mundo voltou a responder à saraivada de perguntas sobre a vida em comum. A satisfação conjugal foi maior entre quem se permitiu uma escapada noturna diferente do convencional.
“Viver o inesperado é muito estimulante para manter viva a relação”, diz a psicóloga Ana Maria Rossi, que é presidente da International Stress Management Association (Isma-BR). Ricardo Monezi, especialista em medicina comportamental da Universidade Federal de São Paulo, concorda: “Nosso cérebro está sempre aberto a novos desafios, sensações e conhecimentos”. E, para ativar seu sistema de recompensa, necessitamos de um estímulo, que pode estar relacionado a um dos nossos cinco sentidos: olfato, tato, paladar, audição e visão. É por essa razão que a noite a dois pode ser tão variada, permitindo desde o cineminha até uma massa saborosa preparada em casa. No final das contas, todas essas informações são processadas pelo sistema límbico, área cerebral responsável pela regência das emoções e que é composta de estruturas como o hipocampo e a amígdala. “São elas que dão significado emocional à experiência e a retém na memória como um aprendizado”, completa Monezi. Mas não é só a massa cinzenta que se beneficia desses momentos muito agradáveis.
Todo o corpo é contagiado pela satisfação emocional. “O organismo passa a diminuir a secreção de hormônios relacionados ao estresse, como o cortisol e a adrenalina”, diz Ricardo Monezi. Os músculos, então, ficam menos tensionados, afastando chateações como dores de cabeça ou nas costas. Sem contar que conseguimos tomar decisões e pensar com mais clareza, tirando de letra as solicitações da vida. Mas, se não damos espaço na agenda aos intervalos de deleite, aquele duo hormonal passa a ficar em alta numa constância cotidiana. Daí, o coração, em vez de se comprazer com beijinhos e abraços sem fim, sofre ao trabalhar em ritmo acelerado, a pressão arterial dispara e os quilos extras muitas vezes passam a se acumular em uma velocidade impressionante. E a pólvora do nervosismo nem precisa de pavio para explodir. Dessa forma, não é de espantar que muita gente fique à mercê de um piripaque, na saúde e nos relacionamentos.
É certo que fugir dos encontros rotineiros a dois pode ser uma boa. No entanto, nem todo mundo é adepto das mudanças — trocar o samba pelo tango? Jamais. “Existem pessoas que gostam de se sentir em ambientes familiares”, diz a psicóloga Ana Canosa, de São Paulo. Sua colega Ana Maria Rossi completa: “Muitas ficam ansiosas caso não saibam exatamente o que as aguarda”. Para esses indivíduos, é preciso ir com calma. “Eles se sentirão mais realizados com pequenos desvios na rotina, nada que modifique drasticamente o cotidiano”, aconselha Monezi. Em outras palavras, se o companheiro ou a companheira só curtem um sambão, que tal começar a variar com uma noitada de samba-rock?
Além disso, o casal precisa exercitar outra arte: a de conciliar seus prazeres. “Quando estamos solteiros, só precisamos pensar nas nossas vontades”, diz Monezi. “Mas, em um relacionamento, é necessário adotar uma nova forma de pensar, que é ao mesmo tempo individual e coletiva. Enfim, a saída é encontrar o que agrada a ambos.” Sempre, é claro, à base de muita negociação. “Não é preciso fazer uma grande viagem para reavivar a relação”, acredita o especialista. “O segredo também está em buscar o desconhecido nas pequenas ações, dia após dia, e reconquistar o parceiro ou a parceira diariamente, seja com um gesto, um olhar, seja com um diálogo atencioso”, finaliza.
Evite encarar o planejamento de um momento prazeroso como algo que vá exigir muito trabalho. Isso pode ser um balde de água gelada em qualquer tentativa de esquentar o relacionamento
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