Um pouquinho de timidez pode até ser um charme. Mas, em excesso, ela bloqueia oportunidades e pode causar mal. Se esse traço de personalidade anda prejudicando a sua vida, está na hora de conhecer e transformar o tímido que existe em você
Texto • Paula Bianca de Oliveira
Um pouco de timidez todo mundo tem. Afinal, quem nunca ruborizou em uma prova oral nos tempos de colégio? Ou não sentiu as mãos suarem naquele primeiro encontro apaixonado? Além de comum, em pequenas doses, a timidez é considerada positiva. “A introversão é um sinal de autocrítica, que atua como um filtro capaz de avaliar se nossas atitudes estão de acordo com nossos valores ou não”, explica a psicanalista Mirtes Esteves Carneiro. “Não há problema algum em ser introvertido; o problema existe quando essa timidez passa a ser um fator limitador”, avalia.
Fatos simples do cotidiano revelam como a timidez pode ser um agente inibidor. Imagine a cena: uma garotinha, com seus 8 ou 9 anos de idade, treina tênis em seu clube. Segura firme a raquete, fixa o olhar na bolinha verde-limão e flexiona os joelhos, exatamente como o professor ensinou. Nessa quadra, passa boas horas do seu dia, embora esse não seja seu esporte preferido. Acontece que seu pai sempre insistiu para que ela treinasse... Assim, mesmo sem grande paixão, a menina evolui a cada aula.
Porém, algo inibe seu bom desempenho justamente quando o pai aparece para vê-la treinar. Sua presença é suficiente para que a garota não acerte mais nenhuma raquetada. Essa menina, hoje com 69 anos, conta que demorou longos anos para compreender que quem vencia todos aqueles sets era um adversário chamado timidez. “Já adulta, compreendi que a presença do meu pai detonava em mim um senso crítico exagerado, algo que me dizia ‘você não pode errar de jeito nenhum agora’. E era justamente essa autocrítica extrema que me desconcentrava e me fazia errar”, relembra Sylvia Godoy, doutora em psicologia clínica pela PUC-SP.
Por ficar tão centrada nela mesma, a pessoa tímida não sabe lidar com fatos inesperados, evitando a todo custo situações que tragam quaisquer possibilidades de surpresa. “Encarar uma situação nova nem sempre é tarefa simples, mesmo para pessoas extrovertidas. Pode até ser preferível ter o controle de tudo, mas não há trajetória livre de surpresas, sejam elas boas ou não”, acrescenta Sylvia.
E o que pode ser visto como um evento novo e desafiador por muitos, é quase sempre um desastre para quem carrega a timidez consigo. “As pessoas tímidas encaram uma experiência nova como uma ameaça potencial”, afirma Mirtes. “No geral, os tímidos se assustam facilmente, o que denota a sua rejeição a qualquer fato inesperado. Isso acontece porque eles estão sempre focados no seu tumulto interior, o que lhes impede de analisar o mundo lá fora”, avalia a psicanalista.
Insegurança isolante
Geralmente inseguras e hesitantes, as pessoas tímidas também evitam situações nas quais possam se sentir expostas ou passíveis de receber críticas alheias. É como se sua própria autocrítica já lhes bastasse. “Estou convencido sobre a minha inferioridade e vou dar o mínimo de pistas possíveis para que o outro perceba isto – raciocina o tímido, levado por sua baixa auto-estima e seu alto censo crítico”, analisa Mirtes.
Em casos mais graves, essa imagem negativa de si mesmo pode fazer com que o tímido se prive do convívio social. Para Sylvia, quanto mais o tímido se isola, mais dificuldades ele tem para vencer a timidez. “Sozinha com suas ideias e suas censuras, a pessoa tímida vai se transformando no seu próprio entrave. Por não tolerar frustrações, ela mesma se impede de realizar coisas na vida”, avalia a psicóloga.
Atribuição de valores
Para muitos estudiosos, todos os problemas relacionados à mente humana começam com o nosso modo de encarar o mundo. “A nossa apreensão da realidade se dá de maneira subjetiva, ou seja, nós é que colocamos os nossos filtros, valores, crenças, até formarmos um processo interno e individual que avalia, julga, conclui e dá sentido a toda e qualquer experiência”, explica Mirtes.
Assim, se um evento foi apreendido como desagradável, a tendência será evitar sua repetição, pois é atribuído a ele um valor negativo. Com esse gesto, temos a criação de uma verdade subjetiva, exclusivamente baseada nos sentimentos, emoções e estados de humor de cada um. “Essa interpretação da realidade é o que compõe nossa autoestima, ou autoimagem, determinando todo o nosso comportamento”, afirma a psicanalista.
O meio social também é um fator determinante na formação de nossa autoimagem, contribuindo com a construção dos nossos valores. Por tal razão, em algumas culturas, a timidez é vista como uma qualidade. Os orientais, por exemplo, atribuem à instropecção características como recato, concentração e disciplina, que são muito valorizadas por eles.
Timidez como escolha
Diversos estudos já comprovaram que a timidez também é uma característica genética. É fácil notar, por exemplo, que mesmo crianças bem pequenas já se mostram mais tímidas que outras, preferindo brincar sozinhas. Tal característica tende a acompanhar o indivíduo ao longo da sua vida, mas existe uma fase que, definitivamente, não deixa dúvidas sobre esse traço da personalidade. “Na adolescência, a timidez atinge seu estado mais agudo, pois as próprias mudanças no corpo levam a pessoa a querer se afastar do convívio social”, analisa Sylvia. “Nesse período, caracterizado pelo afloramento da sexualidade, também surgem os tabus impostos pela sociedade, o que faz com que o adolescente fique ainda mais retraído”, completa a psicóloga.
Na idade adulta, quando as características da personalidade se cristalizam, os efeitos da timidez podem ser sentidos na vida profissional, reafirmando a real necessidade de mudança. “Muitas pessoas perdem boas oportunidades por simplesmente não conseguirem expor suas idéias em público. Só então percebem que é preciso modificar seu modo de ser”, comenta Sylvia.
Sempre é tempo para reavaliar valores e trabalhar internamente a questão da timidez. Como recomenda Mirtes, a qualquer momento, a pessoa tímida pode aprender a modificar seu comportamento e ter uma relação mais harmoniosa com as outras pessoas. “Mesmo com todas as nossas diferenças, somos profundamente parecidos; ninguém é absolutamente bom em tudo, ninguém agrada a todos. Por isso, devemos relaxar e curtir o que é nosso e belo por natureza”, orienta a profissional.
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