Era
um desses encontros pra entrar para a história: depois de horas de
reunião, um grupo de renomados cardiologistas americanos chegava, enfim,
à lista dos dez fatores que mais influenciavam a saúde cardiovascular.
Desses, três são elementos imutáveis, ou seja, não há hábito ou remédio
capaz de anular seus efeitos – falamos da idade, do sexo e da carga
genética. Os outros sete (e aí vem a boa notícia!) são passíveis de
mudança. Isso significa que, ao atuar sobre eles, podemos minimizar
nossa exposição a infartos e AVCs, dupla de males que são a principal
causa de morte no Brasil. Entram nesse rol a alimentação, o grau de
atividade física, o peso, a medida da pressão, o colesterol…
Surgia,
assim, o Life’s Simple 7, conjunto de metas e medidas para prevenir
sustos ao peito da Associação Americana do Coração (AHA, na sigla em
inglês). A iniciativa é encarada com tanta seriedade nos Estados Unidos
que virou uma das principais estratégias para atingir o objetivo da
entidade: reduzir em 20% o número de eventos cardiovasculares até 2020.
“A ideia é focar nas mudanças no estilo de vida e trazer benefícios de
longo prazo à população”, defende a nutricionista Rachel Johnson,
consultora da AHA.
Após quatro anos da implementação do Life’s
Simple 7, os cientistas (e a própria sociedade) começam a colher seus
frutos. Uma revisão de estudos da Universidade Johns Hop-kins constatou
uma queda significativa nos índices de ataques cardíacos e derrames
entre pessoas que adotaram as premissas do programa. Outra investigação,
assinada pela Universidade de Minnesota e baseada em dados de 13 mil
pessoas ao longo de três décadas, registrou uma menor probabilidade de
desenvolver insuficiência cardíaca entre os sujeitos que seguiam as
recomendações depois reunidas pela AHA. “Isso só reforça a importância
de adotar hábitos saudáveis mais cedo a fim de prevenir o problema”, diz
o epidemiologista Aaron Folsom. Chegou a hora de os brasileiros
conhecerem e botarem em prática os mandamentos em prol do coração.
Controlarás a pressão
“A
hipertensão é a doença crônica que mais mata no globo”, sentencia o
cardiologista Luiz Bortolotto, do Instituto do Coração (InCor), em São
Paulo. A pressão alta causa um aperto nos vasos, o que exige esforço
extra do músculo cardíaco para bombear o sangue. Se a situação persiste
por anos a fio, ela cobra seu preço na forma de infarto, derrame,
falência renal… Não à toa, conservar as medidas de pressão dentro dos
parâmetros é um dos pilares do Life’s Simple 7. Nesse sentido, o
Instituto Nacional do Coração, dos Pulmões e do Sangue dos Estados
Unidos testou até que ponto os valores deveriam baixar em 9 mil
hipertensos. Metade tinha que reduzi-los para 13 por 9 – valor aceitável
atualmente – enquanto a outra parcela passou por um tratamento
agressivo a fim de derrubar a medição para 12 por 8. O estudo precisou
ser interrompido no meio porque o grupo da terapia intensiva teve o
risco de um ataque cardíaco ou um AVC subtraído em um terço – o mesmo
efeito não foi visto nos outros voluntários. “Em pacientes mais velhos
com problemas associados, limites mais rígidos de pressão também trazem
benefício”, diz Bortolotto.
Metas
Valor ótimo: | Menor que 12 por 8 |
Valor normal: | Menor que 13 por 8,5 |
Hipertensão estágio 1 | 14 a 15,9 por 9 a 9,9 |
Hipertensão estágio 2 | 16 a 17,9 por 10 a 10,9 |
Hipertensão grave | maior que 18 por 11 |
O que fazer?
Ingerir
menos sal e perder alguns quilos ajudam a domar a pressão. Se essas
atitudes iniciais não forem suficientes, remédios são convocados.
Baixarás o colesterol
O
colesterol que trafega pelo corpo é essencial para a membrana das
células, a produção de vitamina D, a fabricação dos hormônios sexuais e
uma série de outros processos cruciais ao organismo. O chato é quando
ele se encontra em excesso. “Daí, pode se depositar nas artérias e dar
início à formação de placas”, conta o médico André Faludi, diretor da
Sociedade Brasileira de Cardiologia. Se entupir, já viu… A tendência de
endurecer as metas de colesterol chegou com tudo por aqui: um dos
tópicos mais debatidos nos congressos da área é justamente até que ponto
o LDL, o colesterol ruim, deve baixar. A orientação hoje é mantê-lo
abaixo dos 100 mg/dl de sangue, ou 70 mg/dl para sujeitos com alto risco
cardiovascular. Porém, muitos especialistas já defendem que as próximas
diretrizes sugiram níveis abaixo de 50 mg/dl para todo mundo! Isso se
tornou possível com a chegada de novos medicamentos para os casos
difíceis de tratar. “De acordo com evidências recentes, quanto mais
baixo estiver o LDL, menor o índice de eventos cardiovasculares”, conta o
cardiologista Marcio Miname, da Unidade Clínica de Lípides do InCor.
Metas – colesterol LDL (em mg/DL)
Ótimo: | menor que 100 (70 para os de alto risco) |
Desejável | entre 100 e 129 |
Limítrofe | entre 130 e 159 |
Alto | entre 160 e 189 |
Muito alto | maior ou igual a 190 |
Metas – Colesterol total (em mg/DL)
Desejável | menor que 200 |
Limítrofe | entre 200 e 239 |
Alto | maior ou igual a 240 |
O que fazer?
Manter
uma dieta balanceada e praticar exercícios regularmente são
pré-requisitos para controlar o colesterol total e suas frações. Se
muitos familiares possuem níveis altos, vale verificar se não há um
fundo genético. As estatinas são a principal classe de fármacos para
baixar o LDL.
Colesterol do prato não para nos vasos?
A
história é recente e ainda gera confusão. Mas, pelo que a ciência sabe
até o momento, os teores de colesterol da comida não se convertem
necessariamente em colesterol na corrente sanguínea. A quantidade de LDL
circulando é determinada, em sua maioria, pela fabricação da molécula
no próprio fígado. Quem incentiva o órgão a liberar a substância em
demasia seria a gordura saturada, presente na coxa de frango com pele,
no queijo amarelo, no bacon, na manteiga e na costela suína. A
recomendação é não ultrapassar 20 gramas desse tipo por dia.
Domarás o açucar no sangue
A
edição de abril do periódico científico The Lancet trouxe o maior
retrato do diabete já realizado. Com a colaboração de pesquisadores de
todo o mundo, a publicação analisou as informações de saúde de 4 milhões
de pessoas de 146 países diferentes. Os resultados mostram que o número
de adultos diabéticos pulou de 108 milhões em 1980 para 422 milhões em
2014. “O envelhecimento, a obesidade e o sedentarismo contribuem para
esse agravamento”, afirma o endocrinologista João Eduardo Nunes Salles,
da Sociedade Brasileira de Diabetes. Ter açúcar demais nos vasos promove
um pacote de maldades ao coração. Primeiro, o sangue fica viscoso e
transita com lentidão, o que facilita o surgimento de coágulos. Em
segundo lugar, a insulina, responsável por colocar a glicose para dentro
das células, também tem a função de relaxar as artérias. Como o
hormônio não trabalha direito, a pressão tende a subir. Por fim, muitos
diabéticos enfrentam dilemas com a balança. E o excesso de gordura no
abdômen está relacionado à presença de substâncias inflamatórias que
prejudicam a circulação.
Metas (em mg/DL)
Normal | menor que 100 |
Alterada | entre 100 e 126 |
Diabete | maior que 126 |
O que fazer?
Fique de olho na glicemia e mantenha hábitos saudáveis, que auxiliam a conter essas taxas.
Praticarás atividades físicas
Fazer
algum exercício regular não só previne como é uma maneira reconhecida
de controlar uma série de perrengues nos vasos. Por isso que muitos
médicos preferem indicar nos casos menos severos um esporte (junto com
uma dieta equilibrada) a fim de controlar a pressão, o colesterol e a
glicose antes de partir para os remédios. “Quanto melhor o preparo
físico do indivíduo, menor é a mortalidade cardiovascular”, frisa o
cardiologista Daniel Kopiler, presidente da Sociedade Brasileira de
Medicina do Exercício e do Esporte. Quando mexemos o corpo, as câmaras
cardíacas se contraem numa velocidade maior para levar oxigênio e
nutrientes para os músculos. Isso aprimora a circulação sanguínea e
deixa o coração preparado para ocasiões de estresse. Além disso, a
atividade física incentiva a liberação de óxido nítrico, que reduz a
tensão dos vasos – boa pedida para quem é hipertenso. Até pacientes que
se reabilitam de doenças da pesada, como insuficiência cardíaca, se
beneficiam de uma prática esportiva mais intensa. “Desde que feito junto
com um profissional, o treinamento tem um ótimo papel na recuperação”,
observa Kopiler.
Metas
150 minutos de atividade física moderada por semana. Ou 75 minutos de exercício vigoroso por semana.
O que fazer?
Reserve
algum momento do dia para praticar exercícios. Não vale gastar os 150
minutos de uma só vez! Outra boa dica é tomar atitudes contra o
sedentarismo, como priorizar escadas fixas em vez das rolantes e dos
elevadores.
Adotarás um cardápio saudável
Uma
investigação da Universidade de Oxford, na Inglaterra, acompanhou 450
mil chineses por quatro anos para saber como era o consumo de frutas e
hortaliças entre eles. Cerca de 18% dos participantes comiam esses
alimentos frescos todos os dias. Quando comparados ao grupo de
respondentes que afirmou não ingerir vegetais, eles apresentavam uma
pressão arterial mais baixa e níveis de glicose sob rédeas curtas. E
olha que esses são apenas um dos itens da dieta ideal para a saúde do
coração. “O ômega-3, encontrado em peixes de água fria como a sardinha e
o salmão, e as fibras, presentes em grãos integrais, também atuam na
prevenção das doenças cardiovasculares”, destaca a nutricionista Marcia
Gowdak, diretora científica do Departamento de Nutrição da Sociedade de
Cardiologia do Estado de São Paulo. O Life’s Simple 7 ainda pede para
maneirar no sódio e nas bebidas açucaradas. “O abuso no sal leva à
hipertensão e estimula o apetite, o que faz a gente exagerar nas
refeições”, explica Marcia. O açúcar de refrigerantes e sucos, por sua
vez, abre as portas para o ganho de peso.
Metas
5 porções de frutas e verduras todos os dias |
2 porções de peixes na semana, especialmente os ricos em ômega-3 |
3 porções de grãos ou cereais integrais por dia |
Menos de 1 500 miligramas de sódio por dia |
Menos de 450 calorias de bebidas açucaradas por semana |
O que fazer?
Capriche
na feira e aproveite frutas e hortaliças para criar receitas saborosas e
variadas. Não coloque saleiros à mesa (tempere tudo antes) e prefira
sucos naturais feitos em casa.
Perderás (ou manterás o peso)
O
pelotão de cientistas que fez um levantamento sobre diabete achou que
tinha pouco trabalho e resolveram pesquisar a obesidade nos quatro
cantos do planeta. Para isso, foram tabulados dados de 19,2 milhões de
adultos de 186 nações entre 1975 e 2014. Eles descobriram que a média do
Índice de Massa Corporal (IMC), cálculo utilizado para avaliar a forma
física, passou de 21 nos anos 1970 para 24 na atualidade – tendência
clara de engorda. O número de obesos pulou de 105 milhões para 641 nesse
meio tempo. Os autores estimam que a chance de atingirmos as metas de
redução do sobrepeso nas próximas décadas é igual a zero. “O excesso de
peso propicia o acúmulo de gordura no coração, colesterol e pressão
elevados, descontrole da glicose e liberação de substâncias
inflamatórias”, lista a endocrinologista Maria Edna de Melo, da
Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome
Metabólica. Ou seja, tudo o que faz mal ao peito.
Metas do IMC (peso/altura2)
Abaixo do peso | menos de 18,5 |
Peso ideal | entre 18,5 e 25 |
Sobrepeso | entre 25 e 30 |
Obesidade grau 1 | entre 30 e 35 |
Obesidade grau 2 | entre 35 e 40 |
Obesidade grau 3 | mais que 40 |
O que fazer?
Não
há nada melhor do que a velha fórmula exercício, alimentação saudável e
dedicação para eliminar quilos extras. Nos casos graves, os médicos
avaliam a indicação de remédios ou cirurgia.
Largarás o cigarro
O
organismo de quem fuma vive num eterno estado de conflito, ou melhor,
de inflamação. Não por menos, tabagistas sofrem de três a cinco vezes
mais problemas cardíacos do que sujeitos que não possuem a dependência.
Pra começar, a nicotina estreita veias e artérias. “O cigarro contém uma
enormidade de outros componentes que lesam o endotélio, a camada de
revestimento interno dos vasos”, detalha o cardiologista Abrão José Cury
Junior, do Hospital do Coração, na capital paulista. Esses machucados
nos tubos que levam o sangue são o lugar perfeito para que a gordura se
deposite e dê início à formação de placas e trombos. Isso sem contar que
o tabaco atrapalha a ação dos remédios empregados no manejo da pressão,
do colesterol, da glicemia… “Fumar é uma espécie de antídoto contra as
medicações, o que é bastante perigoso”, compara Cury.
O que fazer?
Nunca é tarde para abandonar o vício. Familiares, grupos de apoio e tratamento médico são armas valiosas para vencer o cigarro.
Muito além do tabaco
Todo
tipo de fumo é prejudicial para o peito. Isso vale para as versões
eletrônicas, o charuto, o cachimbo e o narguilé (um cachimbo com água
típico do Oriente que virou moda entre os jovens). O cigarro, por sua
popularidade, acaba sendo objeto de muitos dos testes. Logo, suas ações
malévolas são descritas com maior frequência.
O que não dá pra mudar
Três condições que impactam o bem-estar do coração não podem ser alteradas
Idade
O
envelhecimento enfraquece o músculo cardíaco e favorece problemas que
culminam em um maior risco ao órgão, como a pressão alta.
Genética
Mutações
no DNA elevam a propensão a algumas doenças. É o caso da
hipercolesterolemia familiar, quando o colesterol alto é culpa dos
genes.
Sexo
Há diferenças estruturais entre
o coração do homem e o da mulher. Além disso, o infarto, que afeta
ambos, tem sintomas distintos neles e nelas.
Como medir a pressão?
Cinco dicas para utilizar corretamente os aparelhos domésticos – mas não vá entrar numa neura, hein?!
1. Escolha uma hora em que você esteja relaxado e fique sentado por um tempo.
2. Não tome café ou álcool nem fume ou converse antes ou durante a aferição.
3. Faça mais de uma tomada. Se os valores estiverem muito diferentes, o dispositivo pode estar com defeito.
4. Realize os testes sempre no mesmo horário do dia.
5. Se as taxas estiverem constantemente elevadas, procure um cardiologista quanto antes.